Nas andanças por este nosso vasto mundo de figuras emblemáticas e suas respectivas funções, encontramos heranças das mais diversas sociedades sempre contidas nelas os costumes advindos do “berço esplêndido” que as abrigou.
Os americanos deram ao mundo Santa Claus (o Papai-Noel) quando um ministro episcopal, Clement Clarke Moore, escreveu um poema de natal, não publicado, que descrevia o santo das crianças que tinha uma capacidade sobrenatural de “subir por uma chaminé apenas levantando sua cabeça”. Mesmo sem ser publicado, trechos do poema de Moore se espalharam pelos Estados Unidos e formalizaram a imagem de Claus que temos hoje, bem como a sua prática de voar de casa em casa na véspera do natal em um trenó puxado por 8 renas, que o próprio Moore batizou, entregando presentes.
Foi a partir do poema do ministro que, em 1891, o cartunista Thomas Nast desenhou em vermelho, branco e preto o papai-noel. Alegre, cara de bonzinho, barba branca e longa, sempre acompanhado de muitos presentes. Capitalista, porém bela, contribuição a dos americanos.
Já no Brasil, anos mais tarde em 1936, Sérgio Buarque de Hollanda revela em seu livro “Raízes do Brasil” o capítulo O Homem Cordial. Segundo o autor, que é um importante sociólogo que ajudou a construir a identidade deste país no início do século XIX, a contribuição brasileira para o desenvolvimento da humanidade seria o homem cordial.
Cordialidade, do latim cordis, que significa coração com a terminação dade que vem a ser modo de agir, eis o significado etimológico: agir sob a égide do coração. O livro, argumenta as seqüelas que este tipo de ação causa à uma sociedade e, na sociedade brasileira, o homem cordial está por excelência, ele é daqui assim como papai-noel é dos Estados Unidos.
A diferença entre essas duas figuras do imaginário (ou não!) popular está intimamente ligada ao DNA de suas nações. Os EUA apresentam-se capitalistas ao extremo e impuseram esta condição ao resto do mundo. Já os brasileiros e seu conhecido “jeitinho” de quem é receptivo, de quem é acolhedor e boa praça parecem não conseguir de modo eficaz introduzir em outras sociedades o seu modo “família” de enxergar os negócios, a vida empresarial e o trato com os seres humanos.
Outra diferença entre os dois personagens é a crença. Quando somos crianças acreditamos com todas as nossas forças no papai-noel, até mesmo porque subentendemos que se não acreditarmos no bom velhinho não teremos razão para ganhar presentes, é o espírito capitalista herdado dos americanos, e essa crença permanece sólida até o momento em que nos tornamos adolescentes e não queremos mais ter nenhuma característica de crianças. A teoria do homem cordial não é tão presente em nossos dias como o papai-noel, apesar de que, “homens e mulheres cordiais” nos cercam a todo o momento, mas não somos levados a crer na cordialidade prejudicial e sim no contrário. Somos levados a crer que é correto lidar com nossos clientes, receber ordens de nossos chefes e diretores, ordenar nossos subordinados, e administrar nossas empresas e organizações – às vezes públicas - da mesma forma como lidamos com o nosso irmão, como obedecemos naturalmente os nossos pais, como ensinamos e ordenamos os nossos filhos e como cuidamos de nossas famílias.
Não acreditamos no homem cordial, quem sabe esteja neste ponto a residência de nossos maiores problemas sociais, de desenvolvimento humano e econômico e da evolução de nossa sociedade através de profissionalismo e competência empreendedora primando pelo desprendimento.
Não que seja o brasileiro a pior espécie do mundo só por agir cordialmente, temos exemplos (raros) de compatriotas bem sucedidos às vezes até mesmo utilizando altas dosagens de sentimento cordial como define Sérgio Buarque de Hollanda. Mas até mesmo quando somos viris e profissionais, os nossos corações parecem sangrar desenfreadamente, ou quando estamos em meio à duros embates mais que depressa precisamos chegar ao fecho antes que, desesperado, o coração perdoe.A grande verdade é que, cada um a seu modo, todos estamos tentando contribuir com a prosperidade do mundo e que o mundo evolua, com papai-noel, com cordialidade, com capitalistas e sentimentais... mas que evolua!
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