PERFIL JORNALÍSTICO

Edivânia Maria Silva

Serviços Gerais e Vidente

Oxalá!

Edivânia Maria Silva tem dois filhos, Wellington e Rayane, é separada do marido e mora com a mãe. Recebe da prefeitura um salário de 580 reais pela manutenção dos banheiros públicos de uma praça de Tupaciguara, no interior mineiro. Estampado na parede da sala está o diploma de 2º grau que a habilitou a prestar a prova do concurso público. Edivânia gosta do que faz, mas diz que seu verdadeiro "dom" é a vidência.

Ela está em dia de folga, isso só acontece aos domingos e uma vez por mês durante a semana, só aceitou me receber após as 9 horas da manhã quando a encontrei de banho tomado, com um batonzinho sobre os lábios e brincos grandes. “Não é todo dia que a gente fica famosa e dá entrevista, sou vaidosa mesmo”, diz.

Edivânia, de 42 anos, nasceu em um distrito rural, há 40 quilômetros do município de Tupaciguara, onde o pai trabalhava em uma fazenda de um grande produtor rural e político da cidade. Morou na fazenda até completar 15 anos, quando teve de se mudar já que o pai falecera deixando como herança uma pequena casa na periferia da cidade. Ela e a mãe moraram juntas até aparecer o Carlos na vida de Edivânia. Prometia ser o homem mais importante da vida dela. Eles se amasiaram e da relação nasceram dois filhos. “O Carlos sempre dizia que seria importante na minha vida, o casamento não deu certo e nos separamos, mas ele foi mesmo importante porque me deu minhas duas grandes paixões, o Wellington e a Rayane”, comenta.

Wellington, de 25 anos, está em Porto Príncipe, ele é um dos soldados do Brasil que colabora com a ONU na missão de paz no Haiti o que vem a ser motivo de orgulho e de muita preocupação para a mãe. Rayane tem 15 anos e um temperamento “difícil”, sente um ciúme demasiado do irmão, mas é grande companheira da mãe pelos salões de beleza do bairro.

Acompanho a rotina de Edivânia, não é das mais fáceis, levanta às 4 da manhã, de segunda à sábado, prepara o café e acorda a filha que estuda no período matutino. Sai de casa apressada, pois tem de andar um quilômetro e meio até chegar à praça que trabalha. Após “dois dedinhos de prosa” que sempre dá com o Sr. João, vigia noturno da praça, vai limpar os banheiros que devem estar limpos até às 6h30 quando o bairro desperta e o movimento de alunos que estudam no colégio próximo começa. Logo chega sua parceira de trabalho, Rosângela, “A Rose chega mais tarde porque a função dela é só a de recepcionista no banheiro, mas ela ganha menos que eu”, explica Edivânia.

As colegas de trabalho servem uma à outra de passatempo, mas é nos horários de pouco movimento nas pias e privadas dos banheiros que Edivânia exerce o seu dom, ela é médium vidente e bastante conhecida na cidade. Uma fila de mulheres se forma. À distância muitos podem pensar que o motivo da fila é o banheiro ocupado ou em limpeza, mas a procura na maioria das vezes é por simpatias que atraem felicidade, dinheiro e maridos.

Edivânia, que quando está exercendo o seu dom gosta de ser chamada de “Madame Vânia”, atende as clientes de modo muito bem humorado. “Elas vêm aqui para ouvir a Vânia, às vezes aparece uma ou outra desesperada porque foi largada e vem pedir conselhos, mas o que elas querem mesmo é se distrair um pouco com a pessoa espirituosa que a Vânia é”, conta a colega Rosângela que aproveita as dicas da amiga vidente para escolher a melhor cor de roupa para as baladas do fim de semana.

Entre uma cliente solteira que está à procura de um namorado e uma separada que quer o marido de volta, Madame Vânia dá espaço para que eu converse com a Edivânia que me explica sobre o dom. Conta que quando se mudou da fazenda para a cidade em 1981, disse ao então patrão do pai, que havia ajudado muito a família naquele período, que ele ainda seria o homem mais poderoso da cidade, ao que ele questionou: “Está dizendo que vou ser o prefeito?” e ela respondeu que havia tido uma visão que dizia isto.

Segundo ela, o pecuarista só não governou o município em determinado momento porque não quis. Edivânia diz que esta foi a primeira visão que tem lembrança, mas que depois desta várias outras aconteceram até que ela adquiriu a habilidade de poder ouvir vozes sempre que ela quer questionar algo sobre a vida de qualquer um. Ela não utiliza búzios, cartas e nem ao menos solicita ler a palma da mão, conta que apenas concentração e uma boa conversa com a cliente já faz com que ela saiba quais as melhores saídas e atitudes a se tomar nos mais diversos casos que chegam a ela.

Hora do almoço. Edivânia sempre come em um restaurante self-service próximo à praça já que voltar em casa seria muito penoso, não há transporte coletivo. Ela trabalha no banheiro da praça há 5 anos, e há 4 que sua vidência é tão requisitada no local, Edivânia não quis me dizer quanto consegue ganhar por dia com os atendimentos, “Madame Vânia não permite que eu revele”, argumenta, mas diz que não leva dinheiro para o almoço que custa 8 reais em média, há pelo menos 3 anos, é com a contribuição das clientes que aparecem pela manhã que ela almoça todos os dias.

De volta ao local de trabalho, Edivânia procura uma sombra para descansar, para ela nenhuma adivinhação ou conselho que vem do além é tão sagrado quanto a esse momento. A parte da tarde costuma ter mais movimento nos banheiros do que nas vidências, por isso Edivânia corre para mais uma vez limpar e deixar tudo cheiroso. “O corre-corre de depois do almoço aqui é demais e tem que estar tudo limpinho”, ensina. Do meio para o fim da tarde as coisas se tranqüilizam na praça, para Madame Vânia o tempo é uma eternidade nesse período. Ela avalia que as clientes preferem a parte da manhã por ter menos pessoas na praça, “Elas têm um pouco de vergonha de buscar esse tipo de ajuda”, diz.

Quase no fim do expediente de Edivânia ela diz não resistir e me pergunta: “E você, não vai querer fazer uma consulta não?”, eu me surpreendo e resolvo perguntar se essa matéria que estou fazendo com ela dará certo e após um ímpeto de risos ela grita a colega de trabalho: “Rose, você perdeu a aposta, o repórter virou meu cliente!”, e voltando um sério olhar para mim, encerra: “Será manchete no jornal, meu filho, que Oxalá te abençoe!”.

- Oxalá!


Comentários

josuá barroso disse…
Adorei fazer esse perfil.
Foi divertidíssimo!

Edivânia é figura d+.
***
Fui no local de trabalho dela esses dias, uma pena ela não estar mais lá... depois de anos morando na cidade, ela voltou à zona rural.
Torço pra que ela seja feliz e continue a exercer o seu dom.
IdeGitana disse…
Gostei da sua matéria, da maneira como se referia a pessoa de Edivânia, com respeito e carinho.
Parabéns
Rosália disse…
Amei esse perfil a história de vida de Edivânia é simplesmente impressinante.
Parabéns pelo perfil maravilhoso que fez.
Lorelei disse…
Amei! Estava vasculhando na net alguns perfis e acabei parando aqui, rsrs. Muito bem escrito. Demais!
William Silva disse…
- Salvo pelo blogger :D
Everton Macedo disse…
interessante e divertido. Parabéns!!
Thays disse…
Você não sabe o quanto me ajudou para fazer o meu primeiro perfil da faculdade, o seu ficou bastante leve e interessante.
Anônimo disse…
Muito bom o texto. Agora se puder dar uma sugestão: trocar o fundo do texto. O preto parece cansar a vista mais rápido.