Uma vez ela apareceu no instagram. Era tão pequena na foto, mais parecia uma bola de pelos. Eu bem que fingi relutar a cruzar Belo Horizonte pra trazer ela pra casa, mas não tinha mais jeito porque bastou ela me olhar uma vez.
Uma vez ela chorou durante a noite toda porque estava estranhando a casa nova, mas logo encontrou uma baita aliada que com carinho e vocação maternos a convenceu que valia pena que ela dedicasse uma vida inteira a amolecer meu gélido coração de pedra.
Uma vez ela fez xixi em mim, logo ela aprendeu - tão inteligentemente e de uma vez por todas - que tinha lugar certo para todas as necessidades. Deu um orgulho enorme ensinar isso e nunca mais abri mão dela.
Uma vez inventei de ensinar mais: "dá a patinha... a outra... toca aqui... yes! deita!", tantas vezes fui eu aprendi.
Uma vez ela foi à veterinária, mas a consulta foi pra mim. Fiquei sabendo de tantos cuidados essenciais pra fazer a vida dela ser saudável e longa. Mas é que se a missão dela era me ganhar, essa meta ela atingiu rápido demais.
Uma vez ela viajou pra São Paulo. Uma vez fez cocô na cama. Uma vez morou em Montes Claros. Uma vez, deu de turista e passou um fim de semana num hotel em Caldas Novas. Uma vez passou férias em Uberlândia, na casa da tia.
Uma vez resolvi a deixar livre no parque e corri com ela. Bastou uma vez pra perceber que era aquele o tipo de passeio preferido dela. Ela aprendeu a me seguir enquanto eu aprendia que na medida em que se confia no outro, tudo o que se preza volta pra você - nem que você tenha que sacudir uma porção de petiscos feito um maluco.
Uma vez, uma moça me perguntou o nome dela e passei vergonha porque qual não foi a surpresa da moça ao me contar que Valentina também era o nome da filha dela.
Uma vez ela ganhou dois irmãozinhos adotivos e passou uma temporada na casa deles. Ela surpreendeu ao me ensinar que convivência é uma questão de exercício.
Uma vez pulou no lago em busca de um passarinho, cismava em querer voar com eles.
Uma vez precisou voltar à veterinária e fez exame de uma doença grave. Uma vez, duas vezes, três vezes - sempre negativo - vida que segue. Precisou voltar mais tantas vezes. Uma vez com oftalmologista, outra com endocrinologista, outra com dermatologista, outra com hematologista. Não houve uma vez em que ela não metesse medo nos veterinários - fama da raça, mas também não teve um veterinário que não dissesse que ela tinha a alma mais doce da categoria.
Uma vez tirei da garganta dela uma meia inteira. Era um avanço numa missão paralela que ela tinha de conseguir comer um pé de meia. Uma vez ela conseguiu, já quando estava um pouco mais doente e só na segunda vez que ela regurgitou que fui descobrir que o enjoo não era um novo sintoma, eram pedaços de pano no estômago. Ela não se abatia.
Uma vez ela ficou internada. Sangrou o nariz. Essa foi uma vez que ela me assustou muito. Eu me abati e ela não.
Uma vez ela dormiu comigo uma noite inteira, apesar de detestar o calor que a cama provoca. A gente se abraçou e ela parecia saber que era a última vez que subiria na cama.
Uma vez, os sintomas pesaram demais e só aí ela se abateu. Mancava, não se apoiava, não andava. Uma vez eu pensei que ela nunca mais iria correndo pra porta de casa me receber quando eu chegasse do trabalho. Mas anjos existem até pra quem nem acredita neles e eles vão até onde você está quando precisam agir. E ela então melhorou.
Uma vez era uveíte, uma vez era doença do carrapato, uma vez era lúpus... até que uma vez finalmente descobri o que tanto mal fazia a ela. Era a doença negativada por tantos exames. Mas ela não se abateu.
Uma vez precisei decidir se ela iria continuar vivendo. Chorei copiosamente e o choro só me atrapalhava a raciocinar sobre o óbvio: que não era justo desistir de quem só me ensinou.
Sábado ela se foi de uma vez por todas. Ainda iria completar dois anos e por isso, tudo o que fizemos juntos, fizemos só por uma vez. Não houve tempo pra repetir. Não houve tempo pra um remédio chegar de longe. Não houve tempo...
Eu vou repetir muito mais que uma vez que eu aprendi muitas coisas com ela, mas também não houve tempo de aprender a lidar com esse enorme espaço vazio aqui de casa sem ela.
Ela vai me fazer falta pelo menos uma vez por dia, da hora em que eu acordar até na hora de dormir. E quem leu até aqui certamente percebeu que ela cumpriu com louvor a missão de amolecer e esquentar esse meu coração.
À Valentina dediquei muito amor, dedico agora essas palavras de carinho. Uma vez e sempre, minha companheirinha.
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