Essa semana tive uma conversa rápida com a minha irmã de 13 anos. Ela não tem 13 anos, mas eu não consigo associar a imagem dela com mais do que 13 anos. Além do mais, quando eu saí da casa da minha mãe ela não tinha nem 13 anos então a minha memória afetiva de convivência deve ter parado por ali. Isso também já deve ser algum sintoma flagrante de que estou mudando pro lado de lá no joguinho da vida. Pro lado dos que aconselham colocar um casaquinho quando alguém que a gente quer proteger vai sair na rua.
Mas dia desses eu estava escrevendo no notebook enquanto ouvia música. Eu estava usando a mesa da cozinha e essa minha irmã de 12 anos, foi até lá preparar algo pra comer pela décima oitava vez no dia e ainda não eram nem três da tarde.
No player tocava "Trem Bala", parceiro. É uma música que não passa incólume por ninguém. Nem pela minha irmã de 11 anos:
- Nossa... detesto essa música.
- Como assim? Já parou pra prestar atenção na letra? É linda demais!
- Ai, não gosto. Não sei o porquê. Essa e aquela outra do "joelho ralado", não aguento mais ouvir.
Minutos antes de ela entrar na cozinha eu tava cantando "Era Uma Vez" juntinho com a Kell Smith. Minha irmã de 10 anos foi poupada desse karaokê porque nas férias passa o dia todo dentro do quarto com um colchão de "solteiro" tapando a janela pra forçar a escuridão. Diz ela já caminhando de volta pro quarto:
- Essa moça dessa música nunca ralou o joelho na descida do Morada Nova. Aí sim ela ia ver o que dói mais.
Eu e minha irmã de 9 anos temos uma boa história em comum. Nós dois, em momentos diferentes das nossas vidas, levamos tombos de bicicleta nessa tal descida do Morada Nova que é um bairro da cidade onde nascemos. Pra chegar no bairro há uma avenida longa em formato de uma letra "U" imperfeita. Ou seja, na ida há uma pequena descida e depois uma longa subida.
Quando eu tinha uns 14 anos, desafiei alguns colegas quando voltávamos de uma atividade da escola no Morada Nova. O objetivo era descer com a bicicleta sem frear. Só eu tive coragem e idiotice suficiente pra cumprir a meta até encontrar o quebra-molas que ficava no finalzinho da enorme descida e me estrepei todo. Inclusive o joelho.
Com a minha irmã foi quase igual. A bicicleta dela estava sem freio quando ele passou pela descida. Teve até ambulância na história, mas não foi tão grave. Nada além de escoriações, principalmente no joelho.
Depois que essa minha irmã de 8 anos disse que a moça da música não deveria saber direito a dor de um joelho verdadeiramente ralado, eu a provoquei.
- Ou talvez seja você que não saiba ainda o que é a dor do coração partido.
Ela riu já passando pela sala no meio do caminho pro quarto. E concordou. Então eu finalizei.
- Eu agora já passei pelas duas situações. Então concordo com a moça da música.
Ela riu de novo e diminuindo os passos, seguiu concordando até entrar pro quarto e esquecer essa nossa conversa pra sempre. Ou quase.
Um dia fatalmente essa minha irmã vai naturalmente concordar com a letra dessa canção. Por enquanto, ela só tem 15 anos.
josuá barroso é jornalista formado, possui anos de prática em produzir programas jornalísticos na TV. Há quase dez anos mantém um blog que sobrevive à inanição e inaugurou um novo site em fevereiro de 2018. Este artigo aborda uma perspectivas de gerações no momento em que sua irmã, Maria Eduarda de 16 anos, tem a primeira semana no primeiro emprego como menor-aprendiz. Ele está muito orgulhoso em saber que de agora em diante na vida dela, joelhos ralados serão dores muito menores. Cada vez mais.
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