Questões sobre vazio, achados e perdidos

Existe algo mais paradoxalmente vazio que um departamento de Achados e Perdidos completamente abarrotado de coisas? Nada do que está lá deveria estar, mas está. Se você fosse um desses objetos que vão parar num desses setores, você se enxergaria como achado ou como perdido? É uma questão válida já que na prática as duas situações são aceitáveis. Alguém perde algo, então é perdido. Mas para que ele esteja lá à disposição do dono, outro alguém precisou encontrá-lo, o que também faz dele um achado. Um achado perdido.

A gente nunca sabe quando vai perder algo. Até porque se soubéssemos, não perderíamos. E quando perdemos algo torcemos pra que alguém encontre com a esperança de que essa pessoa leve a um setor de Achados e Perdidos ou torcemos pra que ninguém encontre com medo de que essa pessoa passe a usar o que perdemos?

Muitas vezes quando perdemos, a vida da gente se transforma num enorme vazio. O mesmo enorme vazio da sala de Achados e Perdidos, que está tão abarrotadamente cheia de objetos inanimados. Não dá pra dizer que isso acontece num repente, afinal de contas os repentes são flagrantes e as perdas nem sempre são. Nem sempre.

"Perder" é uma palavra enraizada na gente à guisa de derrota. Mas não deveria ser assim. Quando a gente perde um guarda-chuva, a gente ganha as mãos livres ou espaço na mochila ou a chuva nos ombros. Quando a gente perde um livro, certamente ganhamos uma história nem que seja a história dessa perda. Quando a gente perde um óculos de grau, a gente ganha uma nova forma de ver as coisas e não importa se é um pouco embaçado e se for, a gente ganha a chance de ter que passar a usar um modelo novo. Quando a gente perde o ônibus, a gente ganha um tempo e tempo nunca é demais. Tanto que quando a gente perde a hora, a gente ganha um segundo e isso é bem imediato. Experimente perder esse segundo, e você já ganha outro. Quando a gente perde a vergonha, muitas vezes ganha experiência. Quando perdemos o juízo, podemos ganhar uma penalidade ou uma lembrança incrível.

Mesmo assim... mesmo sabendo que as compensações existem, porque insistimos na esperança de reencontrar algo exatamente como perdemos num Achados e Perdidos qualquer? Por que procuraramos nesse vazio enorme onde o que se encontra mal sabemos se é achado ou se é perdido?


E então a gente aprende. O que realmente importa, jamais encontra num setor de Achados e Perdidos. E ainda assim a gente perde. Não sem, por consequência, achar tantas outras coisas que preenchem qualquer vazio.


josuá barroso é jornalista formado, possui anos de prática em produzir, editar e dirigir programas jornalísticos na TV. Há pouco tempo perdeu o costume de não saber lidar com perdas, mas como ele não sabe lidar com perdas (nem perdas de costume) tudo parece ser reiniciado dia após dia. O que significa ter sempre novas chances de achados. E de perdidos. Há quase dez anos mantém um blog que sobrevive à inanição e inaugurou um novo site em fevereiro de 2018.

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