Já há muito tempo que não vivemos em um mundo onde apenas palavras são usadas para dar informação. Bastou que o perfil oficial da série House of Cards publicasse hoje duas imagens - que poderiam ser aleatórias - para que despertasse os fãs dessa que foi a primeira produção original da Netflix.
Primeiro a página simplesmente alterou a imagem que serve como avatar. E nem foi uma alteração muito significativa já que a bandeira norte-americana virada de ponta-cabeça é usada desde a primeira temporada.
Primeiro a página simplesmente alterou a imagem que serve como avatar. E nem foi uma alteração muito significativa já que a bandeira norte-americana virada de ponta-cabeça é usada desde a primeira temporada.
Já foi suficiente. Depois ainda veio outra publicação oficial. Dessa vez alterando a "capa" da página e dando um tom de persistência à pretensa sexta temporada. "Querer é poder".
Imediatamente começaram a surgir comentários na imagem sobre a última temporada que promete surpreender, seja de forma positiva ou negativa. A Netflix anunciou no ano passado o cancelamento da produção no mesmo dia em que Kevin Spacey foi acusado por assédio sexual. A maior dúvida dos espectadores é qual será o destino do personagem responsável por atrair a maior parte dos seguidores da série.
[pode conter spoilers a partir daqui]
Boa parte dos comentaristas se dedicou a criticar a temporada lançada no ano passado. São comuns as opiniões de que a "série se perdeu". Mas aqui vai uma provocação: será mesmo que a série se perdeu ou será que estava sempre a desenhar com capricho, capítulo por capítulo, trama por trama, a pintura de um outro rosto a ser exposto na Galeria Nacional de Retratos em Washington? De todas as ambiciosas personalidades que existem em House of Cards, qual delas realmente seria a mais hábil na arte da conquista do poder?
Já revi as cinco temporadas dessa inescrupulosa escalada política várias vezes e alguns detalhes muito sutis parecem comprovar que a série sempre esteve no mesmo rumo, em que pesem os lamentáveis acontecimentos alheios ao roteiro.
Logo na primeira temporada, já nos primeiros minutos do primeiro capítulo, no carro de volta pra casa após a festa da posse do presidente, Claire pressiona Frank sobre a doação da SanCorp para a ONG que ela gerencia. Frank garante que ao sair a nomeação dele para Secretário de Estado a empresa vai assinar o cheque. Claire sorri satisfeita, nos ludibria colhendo a mão do parceiro, mas evita olhar nos olhos dele ao dizer: "Será um grande ano para nós". Frank olha para a parceira fixamente como quem se fortalece ainda mais a cada milésimo de segundo em que continua a olhar e beija a mão de Claire, que por sua vez, percebe o beijo - sem parecer sentir - antes de voltar à posição anterior.
Minutos à frente vem a cena, que pra mim, sempre que se repete ao longo da série, marca pontos de virada importantes. Pela primeira vez Frank aparece na janela de casa fumando. A cada tragada ele amarga a derrota de ter sido preterido na Secretaria de Estado. Ele revive também a conversa que teve horas antes com Claire. Ela parecia não ter se abalado em nada com o tombo do marido e cobrava dele uma energia raivosa. "Meu marido não pede desculpas nem a mim". Já é madrugada, Frank continua a misturar seus pensamentos à fumaça quando Claire se levanta da cama para voltar a falar com o marido congressista.
É minha cena favorita em cinco temporadas.
Frank conta que sabe o deve fazer e prevê que vai ter muitas noites como aquela. Ele a entrega o ópio. Ela o encara como quem encara um tanque de guerra a ser usado e abandonado quando quebrar e se tornar pesado demais pra seguir em frente. Frank caminha saindo de cena. "Eu amo essa mulher. Amo-a mais que tubarões amam sangue". E Claire toma o lugar dele... na janela.
Não há dúvidas do legado de Kevin Spacey para o sucesso de House of Cards, mas a cada revisita que faço aos capítulos da série também não me parece haver dúvidas de que o roteiro nunca perdeu o seu rumo. Na sexta e última temporada poderíamos sim ser surpreendidos por uma força inesperada de Frank pra reverter sua situação. Força que viria de não sei onde, já que ele fraquejou em todos os momentos em que esteve sem Claire. Mas nessa parte da história representada pela sexta temporada, a vida real interferiu para que perdêssemos um dos maiores personagens da dramaturgia mundial. Ainda assim, não se pode questionar que essa já seria mesmo a vez de Claire sem acasos. Esse era o plano que seguiu periférico por todos esses anos e muitos de nós não percebemos por estarmos inebriados pelo som do anel que batia à mesa.
Update: aos dois minutos do dia seguinte à publicação desse texto, o perfil oficial de House of Cards no Twitter divulgou essa belezinha abaixo.
We're just getting started. pic.twitter.com/h2XafRynew— House of Cards (@HouseofCards) 5 de março de 2018
josuá barroso é jornalista formado, possui anos de prática em produzir programas jornalísticos na TV. Há quase dez anos mantém este blog que já sobreviveu à inanição várias vezes. Inaugurou um novo site em fevereiro de 2018, onde tem escrito regularmente. A Netflix ainda não divulgou a data exata de estreia da última temporada de House of Cards, mas já informa que será durante o outono norte-americano. Impossível não associar a estação das "quedas" com o que está por vir.
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