Lula vai ser preso? Duas cartas do baralho vão definir o jogo no STF

"Lula preso amanhã". A frase virou um meme na internet desde que o site O Antagonista publicou que duas fontes do Supremo Tribunal Federal (STF) informavam que a prisão do petista aconteceria imediatamente. Foi um mês depois da condução coercitiva do ex-presidente, quando ele foi surpreendido pela Polícia Federal e levado a prestar um depoimento no Aeroporto de Congonhas. O clima estabelecido desde então dava conta de que Lula logo veria o sol nascer quadrado.

Rolou o "textão" até lá embaixo e deu preguiça de ler?
Assista à versão em vídeo e responda as enquetes



Mas não aconteceu. E é razoável que não tenha acontecido na época. Neste artigo você vai entender porque Lula não será preso amanhã e - possivelmente - nem na semana que vem quando o STF finalmente deve julgar o mérito do pedido de habeas corpus (HC). Mas antes vamos entender porque ele não perdeu a liberdade quando surgiu a famosa frase "Lula preso amanhã".

Aqui estamos falando exclusivamente do processo que apura pagamento de propina pela construtora OAS ao ex-presidente por meio do triplex do Guarujá. Na época em que a frase surgiu, Lula era investigado e, a não ser que promovesse alguma ação flagrante para atrapalhar essas investigações, não teria razões para ir parar no xadrez.

De lá pra cá, o investigado virou réu e o réu, condenado. Após a confirmação da condenação em segunda instância, Lula - pela primeira vez - está perto de ser preso.

"Trânsito em julgado"
Para entender de fato tudo o que está em jogo no STF é preciso ir além do caso específico de Lula. Vamos fazer uma rápida viagem no tempo desembarcando primeiro em 2009. De 2009 até fevereiro de 2016, um réu condenado poderia recorrer em liberdade à terceira instância da justiça, ou seja, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF. Após a confirmação da condenação nesses tribunais e vencidos todos os recursos possíveis, temos o que é chamado de "trânsito em julgado". Só então o sujeito começava a cumprir sua pena. O entendimento vem de um preceito que de tão comum virou ate dito popular: "todo mundo é inocente até que se prove o contrário". Nessa interpretação, o réu só seria realmente considerado culpado depois de superadas todas as barras de todos os tribunais possíveis e imagináveis.

Voltando à viagem no tempo, estacionamos em fevereiro de 2016 quando o STF mudou a interpretação vigente. Por 7 votos a 4, os ministros passaram a prever o cumprimento da pena bastasse a condenação em segunda instância. Um placar de maioria relevante. Apesar disso, a questão nunca pareceu muito esclarecida no judiciário brasileiro.

É importante prestar atenção aos nomes e posicionamentos se quiser se atrever a entender o que está para acontecer no STF no próximo dia 4 de abril. Em fevereiro de 2016, os ministros que concordaram com a prisão de um réu bastando a condenação em segunda instância foram: Teori Zavascki (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

(fotos: Nelson Jr./Rosinei Coutinho/SCO/STF)
(arte: josuabarroso.com)

De forma contrária, votaram Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

(fotos: Nelson Jr./SCO/STF)
(arte: josuabarroso.com)
A nossa viagem na história avança oito meses e estamos em outubro de 2016 quando o STF voltou a analisar a questão. Tão pouco tempo depois não era de se esperar um resultado diferente e portanto o Supremo manteve o entendimento de que o condenado pode começar a cumprir a pena após esgotados os recursos de segunda instância. Apesar do entendimento ter sido mantido, o placar se alterou. E é isso que faz essa história começar a ficar confusa e interessante. O novo placar, 6 a 5. O ministro Dias Toffoli mudou seu entendimento em relação ao julgamento de fevereiro, quando defendia a execução da pena após a condenação em segunda instância.

Ministro Dias Toffoli foi o primeiro a mudar de posição oito meses depois que o STF decidiu pela prisão do condenado após a segunda instância (foto: Nelson Jr./SCO/STF)

Ainda assim, com a decisão de outubro de 2016, o judiciário brasileiro passou normalmente a poder cumprir penas de condenados em segunda instância. Especialmente nos processos que envolvem réus da Operação Lava Jato. Mas não sem que houvesse contestações. Representantes do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Instituto de Garantias Penais (IGP) e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro entraram com Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) solicitando que o plenário do STF julgue em definitivo a questão. São duas ações e ocorre que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, tem resistido a pautar essas ADCs com o argumento de que o último entendimento da Corte é muito recente. Cabe somente à presidência do Supremo colocar ou não essas matérias em julgamento.

Analistas do judiciário e comentaristas políticos acreditam que pode haver um revés no placar sobre a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância se essas ADCs forem ao plenário. Houve mudança na composição do tribunal após a morte do ministro Teori Zavascki num acidente aéreo em janeiro de 2017, além disso alguns ministros parecem ter mudado de ideia.

Lula vai ser preso?
Sem esperança de ver as ADCs julgadas em plenário, a defesa de Lula encontrou um atalho no pedido de habeas corpus preventivo. É um instrumento que poderia garantir a liberdade do condenado mesmo quando esgotados os recursos na segunda instância, que no caso é o Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Porto Alegre (TRF4). Os últimos recursos serão julgados amanhã (26) e não têm poder de reverter o resultado e inocentar o ex-presidente – servem apenas para esclarecer ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão na sentença. Sem o habeas corpus, Lula poderia ser preso amanhã mesmo. Poderia.

Entretanto, a defesa de Lula foi ainda mais perspicaz no atalho que tomou. Na semana passada, quando o julgamento do habeas corpus foi suspenso e adiado para a próxima semana (dia 4 de abril), o advogado de Lula pediu uma liminar que garantisse a liberdade do réu até a conclusão do julgamento. Saiu vencedor. E o placar dessa decisão pode responder a pergunta: Lula será preso na semana que vem?

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Ao que tudo indica até aqui, a resposta é não. Lula não vai ser preso. Mesmo condenado em segunda instância, ele deve poder recorrer em liberdade às instâncias superiores tal qual vigorava até fevereiro de 2016. É uma volta ao passado, um retrocesso.

Embora o placar dessa votação do salvo-conduto que Lula ganhou não seja uma análise direta sobre o conteúdo do pedido de habeas corpus (o que no judiciário chamam de mérito), ele pode sim dar uma previsão de como cada um dos ministros vai votar nesse caso específico que só teria valor para Lula, mas também numa eventual entrada em pauta das ADCs, que se acatadas poderiam garantir que réus recorram em liberdade até a última instância da justiça brasileira. É possível prever também qual seria o placar de outros pedidos de habeas corpus feitos pelas defesas de outros réus inspirados no eventual benefício concedido a Lula.

Vamos por partes. Desenhando.

Os ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski se mantiveram contra a prisão após a segunda instância desde 2016, nas duas votações que ocorreram naquele ano. Por isso, a tendência é de que vão manter esse posicionamento. Esses três ministros também votaram favoravelmente ao pedido da defesa de Lula para mantê-lo livre até a conclusão do julgamento do habeas corpus. Eles podem (e deveriam) contrariar os seus votos em 2016 e levar em consideração o entendimento vigente, que é de cumprimento da pena e logo, a prisão. Mas não é essa a tendência. Três a zero para Lula.

A ministra Rosa Weber faz parte do grupo que se mantém coerente em relação ao entendimento de que um réu condenado só comece a cumprir pena após esgotados todos os recursos em todas as instâncias. Mas ela precisa ser colocada à parte porque tem o perfil de acatar em habeas corpus o entendimento da maioria do tribunal, mesmo que esse entendimento não seja o dela. Por esta razão, o voto de Weber é o mais imprevisível até porque, diferente de muitos colegas de toga, a ministra não é afeita a dar declarações fora do plenário. Essas declarações costumam apontar a linha de pensamento de um ministro e tem sido muito comuns hoje em dia. Não para Rosa que parece seguir à risca o ditado "o silêncio é ouro". Entretanto, o voto da ministra para garantir a liberdade de Lula até o próximo 4 de abril, poderia indicar que ela voltaria a adotar o entendimento que defendeu em 2016. Sendo assim, não perca as contas, seriam 4 votos favoráveis à defesa do ex-presidente.

O ministro Dias Toffoli não poderia aqui ser colocado junto a nenhum grupo. Nas duas votações sobre o tema em 2016, Toffoli teve posicionamentos conflitantes. Primeiro achou válida a prisão após esgotados os recursos de segunda instância, depois votou exatamente pelo contrário. As duas votações tiveram valor para todos os réus. O habeas corpus de Lula que voltará a ser julgado em 4 de abril tem valor somente para o ex-presidente. Embora certamente as defesas de outros réus vão querer lançar mão do mesmo atalho. Voltando a Toffoli, embora ele já tenha estado dos dois lados nessa história, na hora de decidir se concedia o salvo-conduto a Lula até 4 de abril, ele votou favoravelmente. É um entendimento que se aproxima mais do voto recente dele, de que a pena só começa a ser cumprida após o trânsito em julgado. Deste modo, o placar favorável a Lula seria de 5 a zero.

Já os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia rejeitaram o pedido da defesa de Lula que gerou o salvo-conduto até semana que vem. O entendimento combina com a posição desses magistrados na questão mais ampla. Todos eles se colocaram favoráveis à prisão bastando a condenação em segunda instância nas duas votações de 2016. Com a rejeição por eles do pedido de liminar que manteve Lula livre até 4 de abril, o importante aqui é entender que para esses ministros, Lula seria preso amanhã mesmo, assim que o TRF4 desse por concluído o julgamento dos últimos recursos. Atualizando a prospectiva do placar, teríamos um 5 a 4 favorável ao condenado.

Na Corte há pouco mais de um ano, o ministro Alexandre de Moraes ainda não teve a oportunidade de demonstrar em plenário a sua posição em relação à prisão após a condenação em segunda instância. O antecessor de Moraes era Teori Zavascki, então relator dos processos relacionados à Lava Jato no Supremo e coerente nas duas votações sobre este tema, sempre por permitir a prisão bastando a condenação em segunda instância. Na votação sobre o atalho do atalho da defesa de Lula, o salvo-conduto, Moraes foi contra, ou seja, por ele Lula poderia ser preso amanhã. Vamos então atualizar o eventual placar para 5 a 5, um empate. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

O Supremo Tribunal Federal não é uma casa que representa o povo. Essa função cabe ao Poder Legislativo. Apesar disso, tal qual os brasileiros, os ministros da nossa mais alta Corte parecem estar bem divididos em relação à prisão de Lula. É compreensível a polarização nas redes sociais, nos debates entre amigos, entre colegas de turma numa faculdade. Já no Supremo, onde os ministros têm a função de analisar fatos sob a ótica da Constituição, sendo que temos apenas uma Constituição, parece incômodo perceber essa mesma polarização. O que nos remete a suspeitar de algum casuísmo. Ou seja, será que toda essa movimentação desde 2009, passando por duas votações em 2016 até chegar na semana que vem, vai acabar se solucionando pela influência de um só nome?

E afinal de contas, Lula será preso na semana que vem?

O pretenso placar dessa análise até aqui está empatado em 5 a 5. Mas são onze os ministros do STF. Falta o histórico do ministro Gilmar Mendes. Ele poderia permanecer no primeiro grupo que citamos fazendo companhia a Teori Zavascki (in memorian), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, já que assim como esses magistrados, Mendes se manteve coerente nas duas votações de 2016 entendendo válida a prisão logo após a condenação em segunda instância. O que geraria um placar de 6 a 5, desfavorável a Lula. O ex-presidente poderia ser preso.

Gilmar Mendes é o oposto de Rosa Weber. Dá declarações sobre seus entendimentos à imprensa, está sempre conversando com jornalistas, utiliza redes sociais, se envolve em polêmicas. Em que pese esse comportamento, assim como a não é possível cravar o voto da discreta Rosa, é difícil prever com certeza como vai votar o espalhafatoso Mendes.

Na hora de decidir sobre o pedido do salvo-conduto para Lula na sessão que adiou o julgamento do habeas corpus, Gilmar Mendes foi favorável. Veja o vídeo.



A proteção a que Gilmar Mendes se refere na prática contraria o entendimento que ele próprio teve em duas oportunidades no ano de 2016. Se Mendes já entendeu (por duas vezes) que um condenado pode perfeitamente ser preso vencida a segunda instância, por que Lula seria diferente nesse período entre amanhã (quando o TRF4 conclui o julgamento do réu) e o dia 4 de abril (quando o STF finalmente vai dizer se vai deixar Lula livre até o trânsito em julgado). É importante observar que de todos os ministros que sempre votaram pela prisão vencida a segunda instância, apenas Mendes votou favorável ao salvo-conduto de Lula.

Se Gilmar Mendes confessa tamanha antipatia pelo PT, o que faria o magistrado mudar repentinamente a posição que sempre manteve em relação à permissão da prisão em segunda instância? Seria algum outro condenado que o faça superar um asco tão grande pelo partido de Lula? Se trata apenas de um novo entendimento, o que seria próprio a qualquer magistrado? Ou será que não há um novo entendimento e o ministro, apesar do salvo-conduto, vai manter a posição que sempre teve?

Se você quiser entender o jogo de cartas (marcadas?) previsto para o próximo dia 4 de abril que vai responder se Lula será ou não preso, é preciso ficar de olho em duas peças desse baralho - eu disse, baralho! - na dama, para quem o silêncio é "ouros", e no afiado rei de espadas, que parece fatiar o plenário do Supremo Tribunal Federal.

(fotos: Nelson Jr/SCO/STF | arte: josuabarroso.com)

E então, me diz você, Lula será preso na semana que vem?

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