Propina "legalizada" pode revelar alguns caminhos da corrupção no Brasil

A quinta-feira é santa, mas muita gente ligada ao governo federal não é. Em uma espécie de reedição do clássico "Todos os Homens do Presidente", a Polícia Federal prendeu pessoas ligadas a Michel Temer. O drama dos cinemas é baseado no livro que conta a história de uma rede de espionagem e lavagem de dinheiro descoberta por dois jornalistas. A investigação acabou levando à renúncia do 37º presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Aqui no Brasil, sem esquema de espionagem é a lavagem de dinheiro que parece correr solta.

Registro de Michel Temer feito em janeiro de 2017 durante uma reunião com núcleo de infraestrutura
(foto: Alan Santos/PR)

Foram presos dois amigos do presidente Michel Temer – o advogado José Yunes, que foi assessor especial da Presidência da República, e João Baptista Lima Filho, ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo. O esquema da vez seria o favorecimento a empresas portuárias em troca de propina por meio de decreto presidencial. O Palácio do Planalto nega as acusações.

Essa história que recebeu o nome de "Operação Skala" e é um desdobramento do chamado "inquérito dos portos" ainda tem certamente muitos capítulos pela frente. As prisões são temporárias e vamos ver essa turma sendo solta em poucos dias. Mas uma ironia do destino parece garantir sentido a esse estado das coisas.

Em maio do ano passado, o Procurador da mais famosa operação contra corrupção no Brasil - a Lava Jato - disse aos jornalistas em entrevista coletiva: "Um dos segredos de investigar lavagem de dinheiro é justamente seguir o dinheiro". No caso da Operação Skala, o dinheiro a ser seguido inicialmente circulou de maneira absolutamente legal. E essa pode ser a ironia do destino a qual me refiro.

O Procurador Regional da República, Carlos Fernando dos Santos Lima, dá entrevista coletiva em maio de 2017 onde declarou a máxima de que o segredo para investigar lavagem de dinheiro é seguir o dinheiro

Vamos entender.

João Baptista Lima Filho, amigo de Temer preso hoje, é apontado na investigação como responsável por captar recursos para o presidente da República. O outro amigo de Temer, José Yunes, é investigado a respeito de transferências de bens para investigados e pessoas próximas. Ou seja, na perseguição ao dinheiro, esses "homens do presidente" seriam os responsáveis por captar.

Se há quem reúne o dinheiro, há quem doe. E alguns dos doadores de dinheiro para a campanha do PT no pleito de 2014, que levou Dilma e Temer à reeleição, são os que vão passar a páscoa desse ano no xadrez. Essa doação é feita de maneira legal, uma prestação de contas é submetida e foi aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Mas, você eleitor, nunca se perguntou sinceramente o que levaria alguém a doar de bom coração centenas de milhares de reais a um partido político ou coligação?

Eu também sempre me questionei isso.

Num país onde a maior lei em vigor parece ser a "lei da vantagem", porque Rodrigo Torrealba e Ana Carolina Torrealba (sócios do Grupo Libra que teria sido beneficiado por uma canetada de Temer) doariam juntos um milhão de reais ao MDB e, em consequência, à chapa Dilma-Temer? Por que Zuleica Borges Torrealba, também ligada ao Grupo Libra, doaria sozinha mais um milhão de reais? Dinheiro esse repassado a diretórios do MDB no Rio Grande do Norte e no Paraná. Rodrigo e Ana Carolina Torrealba não foram presos nessa quinta-feira santa porque estão no exterior. Eles também não deram nenhuma declaração à imprensa sobre as investigações.

O que a Operação Skala apresenta é que alguém resolveu seguir o dinheiro. Mesmo este, que não é flagrantemente ilegal. E no caminho das cifras a Procuradoria-geral da República está encontrando rastros de corrupção cujo destino final é a principal cadeira do Palácio do Planalto. São "fortíssimos indícios de esquema contínuo de concessão de benefícios públicos em troca de recursos privados para fins pessoais e eleitorais", diz a Procuradoria.

E 2018?
Com a promessa de uma campanha mais moralizada e independente, as regras para as eleições desse ano mudaram e excluíram a possibilidade de empresas doarem para campanhas eleitorais. Mas o que vemos agora na Operação Skala já vai além e escancara um problema nas doações de pessoas físicas - que continuarão sendo permitidas. As regras desse ano também definem que cada pessoa só poderá doar até 10 salários mínimos para cada candidato ou chapa eleitoral, o que na prática impede que cidadãos dotados de extrema simpatia por algum postulante a cargo público façam doações tão generosas quanto fizeram, por exemplo, os Torrealba em 2014.

Mas, preste atenção, na prática essa nova regra só vai criar mais voltas no caminho a ser percorrido quando alguma investigação precisar seguir o dinheiro legal das campanhas que ainda nem começaram. Isso porque as campanhas no Brasil sempre foram milionárias contando com a "generosidade" de empresas e de cidadãos. Agora que empresas não podem mais doar e que cidadãos devem obedecer um limite de pouco menos de R$ 10 mil, para atingir milhões de reais as chapas precisarão de muitos cidadãos dispostos a depositar - literalmente - a sua confiança nos candidatos. Adianto: será o milagre da multiplicação dos chamados "laranjas". Um Greco (dono da Empresa Rodrimar, também investigada na Operação Skala) ou um Torrealba, vai poder contribuir com o mesmo valor máximo de um "Da Silva" qualquer e até que algum astuto Procurador rastreie o caminho do dinheiro que passou pelo "Da Silva", a prescrição pode acabar garantindo a impunidade ao eleito. Ora, é simples. Se para investigar a lavagem de dinheiro o segredo é seguir o dinheiro, quanto mais longo esse caminho, mais difícil a investigação.

Mas o eleitor pode se antecipar a qualquer investigação e iniciar por ele mesmo a perseguição ao dinheiro na medida em que cada centavo for doado aos candidatos à presidência da República, governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas. Na hora de escolher o candidato a votar, é importante dar uma olhada em quem foram os doadores da campanha. Em que área de atividade profissional eles atuam? Quais poderiam ser os interesses daqueles cidadãos em financiar uma campanha eleitoral?

Absolutamente todos os candidatos vão receber doações esse ano. Só mesmo com esse tipo de conjecturas é que o eleitor vai poder dar um voto realmente consciente em 2018. E a ironia do destino é ver o instrumento da doação às campanhas eleitorais, tão cuidadosamente criado pra sustentar candidatos país a dentro, ser agora utilizado pela Procuradoria para evidenciar o verdadeiro jogo de interesses por trás dessas doações. Quem inventou essa maneira arrojada de transformar dinheiro de propina em contribuição legal esperando algo em troca deve estar chateado.

Outro Lado
O Grupo Rodrimar, que é alvo da Operação Skala e foi citado neste texto, declarou à imprensa por meio de advogados que não obteve acesso ao processo e negou que a empresa tenha pago propina a qualquer agente público.

Já a assessoria do Grupo Libra, dos Torrealba, declarou que presta todos os esclarecimentos à Justiça e que dará novas informações quando obtiver acesso aos detalhes da investigação.

Pelo Palácio do Planalto, o ministro da Secretaria de Governo Carlos Marun, declarou que a operação acontece porque Temer pretende disputar uma reeleição e classificou a ação como "conspiração".

A defesa de José Yunes, informou à imprensa que a prisão é inaceitável porque sempre que intimado ou mesmo voluntariamente, Yunes se apresentou às autoridades. Os advogados solicitaram a revogação da prisão.

Os advogados de João Baptista Lima, outro amigo de Temer, declararam à imprensa que ele é inocente e que não tem nenhuma participação nos fatos citados no inquérito.

A direção do MDB, partido que teria recebido diretamente as doações investigadas, não se posicionou.

Nem o PT (partido que compôs chapa com o MDB em 2014) e nem Dilma se manifestaram a respeito da Operação Skala.

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